Publicada em 15/02/2023 ás 09:01:08
O cheiro acre dos corpos entrando em decomposição chegou devagar. Primeiro, um leve desconforto. Logo toda a tenda erguida às margens da vala comum no cemitério do Tarumã para proteger vivos e mortos do sol amazônico foi tomada pelo odor forte e nauseante de seres humanos apodrecendo.
O cheiro vinha dos sete caixões enfileirados lado a lado aguardando a vez de irem para a vala comum aberta poucas horas antes. Ganhava mais intensidade quando um parente decidia por conta própria abrir as urnas funerárias para checar se o corpo que estava prestes a sepultar era mesmo do seu familiar.
?Depois do que aconteceu o pessoal quer ter certeza de que está enterrando a pessoa certa?, conta um dos funcionários do cemitério que tentam organizar os enterros coletivos. ?Não é o certo, mas do jeito que está a coisa, estamos deixando para evitar problema?, contava ele enquanto urubus sobrevoavam a área destinada aos enterros em vala comum.
Sobrecarregado com um aumento de 300% nas mortes nessas últimas semanas por conta da crise do novo coronavírus, o sistema funerário de Manaus está à beira do colapso. Com sepultamentos se aproximando da casa de 150 a cada dia, os corpos tem sido armazenados em câmaras frigoríficas nos hospitais, unidades de saúde e até no próprio cemitério.
Muitas vezes os corpos não conseguem ficar na temperatura ideal e entram em processo de decomposição. Com um sistema de identificação rudimentar - em geral uma folha de papel colada ao caixão ou nos sacos plásticos que envolvem os corpos com fita crepe -, as chances de trocas de cadáveres crescem na mesma proporção que aumentam as mortes.